Dieta balanceada durante a gestação: um passo importante na prevenção de doenças

Por: João Pedro Santana 

Quando se fala em teratogenia, costuma-se pensar nos conhecidos agentes químicos, físicos e biológicos, bem como nas condições adversas às quais as gestantes são submetidas e que são capazes de prejudicar o desenvolvimento do bebê. Medicamentos, como a talidomida, o uso de bebidas alcóolicas, tabagismo, exposição à radiação ionizante e até mesmo algumas substâncias naturais configuram a lista de preocupações de médicos no acompanhamento das grávidas. Entretanto, geralmente as pessoas tendem a deixar de lado e dar pouco enfoque à grande importância exercida pela alimentação balanceada para garantia do desenvolvimento fetal saudável, assim como à repercussão que o estado nutricional da mãe pode exercer na saúde do filho ao longo de toda sua vida.
Já sabe-se que uma dieta equilibrada e com uma proporção ajustada de nutrientes é essencial para atender às necessidades metabólicas impostas a mãe e feto durante a gravidez. Carboidratos, proteínas, lipídeos, sais minerais e vitaminas, bem como as calorias, são obtidos dos alimentos através da digestão, absorvidos pela mãe e compartilhados com o feto através da placenta, gerando um ambiente intrauterino capaz de sustentar o desenvolvimento adequado do bebê, permitindo que o processo de formação das estruturas corporais e a garantia de sua funcionalidade, programado pelos genes, ocorra de maneira adequada.
Contudo, pesquisas realizadas desde o final do século XX e, principalmente, no início do século XXI, vêm expandindo os conhecimentos nessa área através do acompanhamento de grande número de gestantes, da avaliação de seu estado nutricional e do acompanhamento de seus filhos. O que tem sido constatado nesses estudos é que o desequilíbrio nutricional, sobretudo o excesso de glicose e a deficiência de vitaminas B12 e B9 (ácido fólico), afetam o bebê profundamente, deixando modificações em seus genes que desencadeiam um processo de “programação fetal”. Ou seja, por se tratar de um período em que o DNA do feto está bastante suscetível a mudanças, alterações nas condições intrauterinas promovidas pela elevação e deficiência de nutrientes específicos são potencialmente capazes de influenciar o metabolismo do indivíduo em formação, tornando-o mais propenso não só a malformações, mas também a doenças crônicas que podem se manifestar no futuro.
É o que os pesquisadores têm chamado de “teratogênese mediada por nutrientes”.  Essa abordagem de estudo permitiu a alguns deles concluir, por exemplo, que o risco de uma criança manifestar diabetes caso a mãe tenha apresentado hiperglicemia durante a gestação é maior do que o risco oferecido quando ela manifesta a doença depois da gravidez, ou seja, é maior do que a influência genética transmitida da mãe para o filho. Da mesma forma, a deficiência de vitamina B12 e ácido fólico, substâncias envolvidas na síntese de DNA e no crescimento celular, foi relacionada não somente às conhecidas malformações, a exemplo da espinha bífida, mas também a doenças cardiovasculares e metabólicas que apareciam mais facilmente quando os filhos se expunham aos fatores de risco. Também a subnutrição foi associada de um modo geral a prejuízos no desenvolvimento do sistema imune do bebê, influenciando a capacidade do indivíduo de reagir a infecções, o que o deixa mais vulnerável a doenças autoimunes e inflamatórias.
Essas constatações têm gerado uma mudança no conceito de prevenção das doenças crônicas e no entendimento dos fatores que influenciam seu surgimento. A tendência que se apresenta é de que as doenças cardíacas, os diversos tipos de câncer, as doenças respiratórias crônicas e o diabetes, de prevalência alarmante e motivo de preocupação de saúde pública em todo o mundo, sejam entendidas como mecanismos complexos que se manifestam em diferentes épocas de vida do indivíduo mas que podem estar associados às influências ambientais críticas que ele sofreu no período de seu desenvolvimento embrionário. 
Portanto, a realização adequada das consultas pré-natal e a adesão às orientações nutricionais são passos essenciais no favorecimento da garantia de uma gestação sem grandes preocupações, da preservação da saúde da mãe e, sobretudo, da prevenção de alterações no bebê que possam repercutir em diversas doenças graves ao longo de sua vida. Não é à toa que está se atribuindo à saúde da mulher gestante uma importância cada vez maior na configuração do quadro de saúde da população, e as políticas públicas do país devem procurar estar mais atuantes nesse aspecto. No contexto individual, as intervenções preventivas, ainda que pareçam simples, são efetivas. Uma delas já começa no momento em que a gestante decide o que põe no prato.
Em: 17/10/14
Fonte: International Journal Gynecology and Obstretrics  104 (2009)
 
João Pedro Santana: Graduando em Medicina pela Universidade Federal da Bahia e membro do SIAT/BA